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A latinha de leite

26/10/2012 17:41

Um fato real. Dois irmãozinhos maltrapilhos, provenientes da favela, um deles de cinco anos e o outro de dez, iam pedindo um pouco de comida pelas casas da rua que beira o morro. Estavam famintos \\"vai trabalhar e não amole\\", ouvia-se detrás da porta; \\"aqui não há nada moleque...\\", dizia outro...
As múltiplas tentativas frustradas entristeciam as crianças... Por fim, uma senhora muito atenta disse-lhes \\"Vou ver se tenho alguma coisa para vocês... coitadinhos!\\" E voltou com uma latinha de leite.
Que festa! Ambos se sentaram na calçada. O menorzinho disse para o de dez anos \\"você é mais velho, tome primeiro...\\" e olhava para ele com seus dentes brancos, a boca semi-aberta, mexendo a ponta da língua.
Eu, como um tolo, contemplava a cena... Se vocês vissem o mais velho olhando de lado para o pequenino! Leva a lata à boca e, fazendo gesto de beber, aperta fortemente os lábios para que por eles não penetre uma só gota de leite. Depois, estendendo a lata, diz ao irmão \\"Agora é sua vez.
Só um pouco.\\" E o irmãozinho, dando um grande gole exclama \\"como está gostoso!\\"
\\"Agora eu\\", diz o mais velho. E levando a latinha, já meio vazia, à boca, não bebe nada. \\"Agora você\\", \\"Agora eu\\", \\"Agora você\\", \\"Agora eu\\"..
E, depois de três, quatro, cinco ou seis goles, o menorzinho, de cabelo encaracolado, barrigudinho, com a camisa de fora, esgota o leite todo...ele sozinho.
Esse \\"agora você\\", \\"agora eu\\" encheram-me os olhos de lágrimas... 
E então, aconteceu algo que me pareceu extraordinário. O mais velho começou a cantar, a sambar, a jogar futebol com a lata de leite. Estava radiante, o estômago vazio, mas o coração trasbordante de alegria. Pulava com a naturalidade de quem não fez nada de extraordinário, ou melhor, com a naturalidade de quem está habituado a fazer coisas extraordinárias sem dar-lhes maior importância.

Daquele moleque nós podemos aprender a grande lição, \\"quem dá é mais feliz do que quem recebe.\\" É assim que nós temos de amar. Sacrificando-nos com tal naturalidade, com tal elegância.